Democracia: a importância da liberdade científica

Em mesa-virtual, cientistas sociais do Brasil e da Alemanha debateram a relevância da liberdade científica para a democracia e para avanços na sociedade.

Ciência, liberdade e democracia. Essas três palavras parecem caminhar juntas pelo progresso científico em tempos modernos, mas não é bem essa a realidade de muitas instituições de ensino e pesquisa pelo mundo afora. Como destacado pelos palestrantes da mesa-redonda virtual homônima “Ciência, liberdade e democracia”, promovida pelo DWIH São Paulo e pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), há uma série de fatores que estão envolvidos nessa correlação. A mesa reuniu especialistas do Brasil e da Alemanha para dialogar sobre o tema.

Ciência e democracia

“Democracia não é apenas o que fazemos em uma eleição, mas a maneira como agimos um com o outro”, afirmou Michael Quante, pró-reitor de internacionalização e professor de filosofia da Universidade de Münster (WWU). O filósofo comentou sobre a fragilidade da democracia exposta em diversos países durante a atual pandemia: “Democracias que ignoram o conhecimento científico não conseguem resolver os problemas que temos”.

O palestrante destacou também que o treinamento científico ensina mais do que conhecimento e técnica; ele traz uma certa “postura virtuosa” de se observar a necessidade e principalmente responsabilidade em apresentar argumentos. Outro aspecto que Quante levantou foi a necessidade de se manter a mente sempre aberta para o fato de que o melhor conhecimento atual pode precisar ser corrigido no futuro. Mas isso, segundo o professor, não significa que tudo, então, se torna apenas opinião: “É um equilíbrio difícil, mas importante, este de se manter crítico e autocrítico, e ao mesmo tempo continuando a confiar”, ponderou.

O nexo entre problema, ciência e sociedade também foi salientado na apresentação de Rudolf Stichweh, diretor do Departamento de Pesquisa Comparativa sobre Democracias da Universidade de Bonn. Na visão do acadêmico, há uma conexão entre a ciência e a sociedade através dos problemas que precisam ser solucionados. “No momento em que um problema é aceito pela sociedade – mudanças climáticas, por exemplo – ela [a sociedade] recorre à ciência para pesquisar e trazer soluções ao tema”, explicou. A definição, o entendimento e a renovação dos problemas precisam, segundo ele, da liberdade científica.

Cerceamentos à liberdade

Stichweh também lembrou que os valores que orientam a ciência são, entre outros, a busca pela verdade, o imperativo de se pesquisar, a racionalidade cognitiva e a curiosidade teórica. Quando estes valores são cerceados, seja em autocracias ocidentais atacando o próprio conhecimento científico, seja com um direcionamento das ciências sociais dentro de uma certa visão, como ocorre na China, configuram, segundo o professor, “um caso claro de ataque ao universalismo e ao ceticismo científico”.

A socióloga Maria Filomena Gregori, professora da Universidade de Campinas (Unicamp), destacou que “as ciências não são ideologias”, como tem sido afirmado sistematicamente por alguns grupos no Brasil. O uso que se faz, atualmente, do termo, segundo ela, é uma interpretação pobre, equivocada, que ignora a riqueza da teoria social. “As ciências trabalham com método, com técnicas e dados produzidos por instituições públicas de pesquisa”, afirmou Gregori, que foi mediadora da mesa-redonda.

Gregori apresentou na ocasião o recém-inaugurado Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade da SBPC, do qual é coordenadora. A iniciativa da instituição tem como principal missão registrar, acompanhar, tornar público e encaminhar às autoridades competentes ataques ao livre exercício da atividade científica.

Nesse sentido, Otavio Velho, professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro do Conselho do Museu Nacional, afirmou que ocorre uma “verdadeira guerra” contra a ciência e o conhecimento crítico por parte de alguns grupos da sociedade. Segundo o antropólogo, as ciências sociais e as humanidades, de uma forma geral, têm sido alvo preferencial de ataques anti-intelectuais. “Isso chega a ter uma dimensão jurídica quando colegas são obrigados a se apresentar diante dos tribunais para se defender de acusações baseadas numa lei de segurança nacional do tempo da Ditadura Militar”, frisou.

Ciência e democracia x interesses particulares

Outro aspecto que o professor Velho trouxe ao debate foi de que o Brasil, ao atribuir constantes cortes financeiros à pesquisa e à ciência, estaria indo na contramão do incentivo científico observado em outras partes do mundo, como no caso da Alemanha e dos Estados Unidos. “Isso também é uma forma de cerceamento da liberdade científica”, afirmou.

O cerceamento da ciência por meio do aporte financeiro foi abordado também pelo professor Quante da WWU. Segundo o filósofo, o interesse privado e o viés econômico não deveriam reduzir a ciência, que é algo de valor intrínseco, a mero instrumento para o lucro. Ele lembrou que o objetivo mais amplo é “uma sociedade mais ética e justa”.

Outro aspecto que Quante levantou foi a necessidade de comunicação, frisando a importância de participação e confiança mútua para a coesão entre ciência e sociedade. “Quanto mais incluirmos todos os membros da sociedade nos debates científicos, menor é o perigo de grupos de interesses diversos interferirem na democracia”.