No limite dos dados: quando a era digital invade a privacidade

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Na era digital, a perda de privacidade sem paralelo na história ganhou destaque. Em uma velocidade desenfreada dados e informações pessoais caíram na rede e a lente da proteção de dados perdeu seu foco. Muitas ações e leis estão surgindo mundialmente para frear essa invasão que até então não tinha limites. Os progressos estão acontecendo, mas ainda há muito a se fazer.

O escritor, político e ativista Malte Spitz chamou a atenção internacionalmente após processar a companhia telefônica Telekom, sob a acusação de que a empresa obtinha seus dados sem autorização. Ao final, ele recebeu um relatório que comprovava o rastreamento de sua vida quase que minuto a minuto por seis meses. Desde então, Spitz denuncia o hackeamento de dados por parte do Estado e de companhias privadas, defendendo a autodeterminação dos cidadãos na era digital. Ou seja, este pensamento sustenta a criação de leis que protejam seus cidadãos, a privacidade, a liberdade de imprensa e de expressão, que precisam ir além de fronteiras nacionais.

Em maio, a convite da Fundação Heinrich Böll, Malte Spitz esteve no Brasil para participar de uma série de atividades sobre esta temática em São Paulo e no Rio de Janeiro. Em entrevista ao DWIH São Paulo, Spitz trouxe mais vertentes sobre esse assunto, realçando os progressos já alcançados, como o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR) da União Europeia e  as negociações sobre a aprovação do Marco Civil da Internet no Brasil, assim como as lacunas que ainda trazem insegurança tanto em relação à privacidade individual quanto da sociedade.

Malte Spitz durante sua visita no Brasil

Qual o papel que a digitalização desempenha atualmente em nossas vidas?
A digitalização está mudando radicalmente nossas vidas em muitos aspectos, seja em casa, no trabalho e também na ciência. Muitas pessoas se beneficiam das novas oportunidades para a comunicação e parcerias.

Como o mundo digital (especialmente as mídias sociais) pode influenciar nossos direitos pessoais? E como podemos lidar melhor com isso?
Atualmente, vemos grandes plataformas como o Facebook ou o YouTube reunindo uma infinidade de dados pessoais, fundindo-os com perfis abrangentes de nossos interesses e hábitos. Por outro lado, especialmente o Facebook e o Twitter não conseguem proteger nossos direitos pessoais da difamação e do discurso de ódio. Todas as principais plataformas têm em comum o esforço para obter o máximo lucro possível, sem agir, de forma determinada, contra a desinformação ou a disseminação de teorias conspiratórias. Como usuários individuais, ainda precisamos adquirir uma abordagem cultural da comunicação pública baseada na tecnologia digital. Atualmente, estamos mais focados em enxergar os abismos.

Como podemos ter uma vida normal e segura neste mundo moderno e digitalizado?
Precisamos de uma regulamentação ativa, de preferência em nível internacional para conter excessos. Os indivíduos também precisam ter mais opções para usar formas simples, como criptografia, para garantir uma melhor proteção. Precisamos de uma abordagem da digitalização focada no usuário e nós, como sociedade, precisamos definir o que vem a ser uma boa vida na era digital, não podemos deixar essa decisão para as empresas.

Quais impressões o senhor teve nos eventos aqui no Brasil? Poderia citar os pontos mais importantes?
Foi uma troca muito empolgante, especialmente com a participação da sociedade civil brasileira e de muitos agentes da área científica. A discussão sobre a sociedade digital foi conduzida de forma muito abrangente, os pontos de vista sobre muitas questões me parecem semelhantes aos da Alemanha. Em particular, as aplicações dos regulamentos já existentes para a proteção de dados, bem como a criação de novas regras, foram tópicos que desempenharam um papel importante nos eventos.

Na sua opinião, que papel desempenha o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR) na UE e qual é a sua previsão para o futuro em relação a este tema na UE e no mundo?
O Regulamento Geral de Proteção de Dados tornou-se um marco no fortalecimento da proteção de dados na Europa e estamos vendo como essas regras também exercem um impacto global cada vez maior. As empresas internacionais estão adaptando seu processamento de dados cada vez mais à base do GDPR. Agora é preciso expandir a aplicação e o fortalecimento dos direitos individuais também fora da UE.

Na sua opinião, como esse assunto está sendo tratado no Brasil?
A proteção de dados está se tornando cada vez mais importante no Brasil e a nova lei pode trazer uma importante contribuição para isso. No entanto, os órgãos públicos também devem ser incluídos e controlados de maneira abrangente e semelhante.  Ou seja, a aprovação do Marco Civil da Internet no Brasil é algo positivo. É muito bom que os estados façam esta discussão e deixem claras as suas posições sobre os direitos digitais dos cidadãos. Mesmo não sendo perfeita e necessitando de vários ajustes, o Marco brasileiro é um ótimo começo.

por Ana Paula Katz Calegari