A migração vista pelas lentes da imprensa

© UnB/Fernando Paulino

As ondas migratórias ganharam os holofotes da imprensa nos últimos anos. Mas como ela vem abordando o assunto e qual sua responsabilidade nessas coberturas? Qual o impacto desses noticiários não só na sociedade, mas na política de cada país e internacionalmente?  Se olharmos pelas lentes do jornalismo e de sua função informativa, as coberturas de migração necessitam de um foco apurado com responsabilidade, atualizações constantes, evolução e inovação jornalística.

Foram essas as questões discutidas nos simpósios “Migration Coverage and Media Accountability”, realizados no fim de março em Florianópolis (25) e em Brasília (29), por meio de uma parceria entre a Universidade de Brasília (UnB), a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e a Universidade Técnica de Dortmund (TU Dortmund), com parceria do Centro Alemão de Ciência e Inovação São Paulo (DWIH São Paulo).

O DWIH São Paulo conversou com especialistas dos dois países, que participaram dos encontros. Eles pontuaram importantes vertentes desse cenário:

A relevância e a responsabilidade da mídia na cobertura de migrações   
A relação entre mídia e migração é cada vez mais importante em função do aumento do número de refugiados, somado ao relevante papel que os veículos de comunicação representam na sociedade. A agenda de temas sociais e o modo como eles se desenvolvem em pautas de políticas públicas derivam diretamente das atividades da mídia. Dessa forma, essa temática tornou-se tão atual e importante, pois as “crises migratórias” vêm desempenhando um papel relevante de transformação na mídia e consequentemente no mundo.

Para Cristiane Fontinha Miranda, professora de jornalismo da  UFSC, a complexidade desse fenômeno, que possui características específicas em cada continente, dificulta o entendimento e, portanto, a divulgação de informações precisas. “De forma geral, a mídia trata o fenômeno como um evento nacional, com o discurso dominado pelas fontes governamentais. O imigrante, desta forma, é percebido como grupo, uma massa, e não como indivíduo”, explica. Nesse sentido, segundo ela, a mídia pode desempenhar melhor o seu papel diversificando a abordagem, ouvindo também fontes não oficiais, que contextualizem o fenômeno, dando voz a outros atores.

Na Europa, a ênfase dos noticiários na crise migratória de 2015 sensibilizou a opinião pública, dividindo os europeus e o próprio continente. Para a pesquisadora alemã Susanne Fengler, professora de jornalismo internacional na TU Dortmund e diretora acadêmica do Instituto Erich Brost de Jornalismo Internacional, esse movimento mudou de forma profunda a Europa. “Em muitos países, partidos populistas registraram grandes ganhos e, também, o Brexit está ligado à preocupação dos britânicos em relação às fronteiras abertas. Ainda não se enxerga uma solução europeia para a questão da migração. O UN-Compact provocou também discussões no mundo inteiro. Por isso, torna-se cada vez mais importante que a mídia, de maneira mais abrangente e internacionalmente interligada, informe sobre esse assunto. Só dessa forma, as pessoas poderão ter uma visão própria em relação a esse desafio político”.

Brasil: cobertura de migrações em uma nova realidade
No caso do Brasil, a pesquisadora alemã Susanne Fengler defende que a pressão migratória nas fronteiras do país não se compara com a que vemos atualmente na Europa; mas também se encontra diante de um enorme desafio, causado pela crise política e humanitária na Venezuela. “Até agora entraram, segundo informações da ACNUR (Agência da ONU para Refugiados), 100 mil pessoas no Brasil – e não há perspectivas para uma solução da crise”.

Seguindo pelo cenário brasileiro de crises migratórias, Fernando Oliveira Paulino, professor e diretor da Faculdade de Comunicação da UnB complementa: “De uma maneira geral, os veículos de comunicação no Brasil ainda estão se habituando a tratar de deslocamento de pessoas à medida que o país recebe um contingente de outras nacionalidades”. Para Paulino, o assunto tem ganhado mais espaço na mídia brasileira e, além de uma análise quantitativa, tem contribuído para pesquisas qualitativas que apontam a necessidade de uma abordagem que leve em conta a multidimensionalidade desta temática. Ou seja, para ele é essencial tratar de deslocamentos por meio de reportagens que deem espaço para o posicionamento de um maior número de atores, incluindo migrantes e refugiados em suas vidas cotidianas e em seus desafios de sobrevivência.  “É fundamental abrir espaço de diálogo entre veículos de comunicação, profissionais e público, também promovendo atividades de formação profissional continuada.”, complementa o professor, destacando a importância de eventos como os simpósios “Migration Coverage and Media Accountability”.

A evolução da imprensa na cobertura de migrações
As mudanças e as evoluções no consumo de notícias também são pontos significativos no caso dessas coberturas. É o que acredita Fernando Oliveira Paulino, da UnB: “Se olharmos em perspectiva histórica, existe hoje um número maior de jornalistas formados e um público usuário de notícias ainda mais significativo. Porém, é preciso levar em conta as recentes mudanças no ecossistema midiático. Ou seja, à medida que as formas de produzir, distribuir e acessar conteúdos se transformam, os procedimentos de apuração e partilha de materiais jornalísticos se alternam, trazendo o desafio de encontrar uma fórmula sustentável de investimento e retorno financeiro em um campo historicamente onde as principais empresas têm vínculos com grupos políticos e econômicos”. Diante desse contexto, o diretor e professor da UnB acredita que é de suma importância o aperfeiçoamento da cobertura do jornalismo internacional por meio de treinamentos, a partir dos cursos de graduação, incluindo, também, diálogos com especialistas na área que podem contribuir mais diretamente com a sugestão de outros tipos de abordagem e a utilização de personagens que ofereçam mais humanidade à cobertura que é realizada.

Resultados da pesquisa sobre a cobertura de migrações da TU Dortmund
Nos simpósios também foram apresentados, pela pesquisadora alemã Susanne Fengler, os resultados de uma pesquisa internacional sobre o cenário político e midiático, realizado pela TU Dortmund. A ideia foi possibilitar um diálogo sobre o assunto com o objetivo de dar continuidade à temática através de uma plataforma de cooperação científica bilateral.

Sobre os resultados da pesquisa, Fengler destacou que o medo das ondas migratórias mudou o cenário político em toda a Europa e que a política de migração teve um impacto decisivo nos resultados das eleições em diversos países europeus, desde o início da crise de refugiados em 2015, com destaque para a França, Alemanha, Itália, Áustria e Reino Unido.

A pesquisadora alemã complementa: “Comparamos, por um lado, a cobertura sobre a crise migratória de seis países europeus com a de cinco países africanos. Chama a atenção que a mídia dos países africanos praticamente não informa sobre o assunto. Por outro lado, o tema domina as manchetes na Europa. Prevalece uma visão completamente diferente nos países africanos, combinada à falta de recursos nas redações. Na Europa, o tema é discutido principalmente em relação à segurança das fronteiras. Concluímos um outro estudo realizado em 17 países, comparando as coberturas na Europa Oriental e Ocidental, nos Estados Unidos e na Rússia. Os resultados serão publicados no próximo verão (inverno brasileiro)”.

Mais informações sobre essa temática e sobre a pesquisa da TU Dortmund:

Media and Transparency – a Global Perspective

Journalism in a Global Context

por Ana Paula Katz Calegari