A saúde das cidades e de seus habitantes tem relação direta com a mudança de temperatura

Pesquisadores apontam a importância de alterar o foco da gestão das cidades levando em conta o bem-estar da população e a conservação do meio ambiente.

No contexto de um mundo sustentável, rumo a emissão zero de carbono, a preservação ambiental e a saúde dos habitantes das cidades devem ser consideradas nos debates sobre clima e cidades. Os dois pontos foram salientados pelos debatedores da sessão “Healthy and Well-being Cities”, do 9º Diálogo Brasil-Alemanha de Ciência, Pesquisa e Inovação.

“É nesse nível [das cidades] que a maior parte dos atos de mudança climática ocorrem e, ao mesmo tempo, é o mais impactado com essa mudança”, apontou a coordenadora do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA/USP) e pesquisadora do hospital Albert Einstein, Ligia Vizeu Barrozo. Na apresentação, a cientista abordou a desigualdade na saúde e no bem-estar, com ênfase na cidade de São Paulo (SP).

Para a coordenadora, o rápido e descontrolado aumento da urbanização contribuiu para o crescimento de cidades segregadas e violentas. Como exemplo, Barrozo citou o transporte público lotado e ineficiente na capital paulista, que, ainda, apresenta uma piora conforme se afasta do centro da cidade.

A pesquisadora acrescentou que, antes da pandemia de covid-19, aproximadamente 47% da população morria antes dos 70 anos por conta de doenças cardiovasculares ou de câncer. “Além das doenças individuais que podem agravar o quadro de coronavírus, condições ambientais também apresentam risco à população, como o ambiente socioeconômico e a condição ambiental em que a pessoa está inserida”, completou.

Possiblidades de adaptação climática

A maior conexão entre mudança climática e clima urbano são as ondas de calor, destaca Andreas Matzarakis, responsável pelo Research Centre Human Biometeorology/German Meteorological Service. Para ele, a realidade dos efeitos do calor nas cidades, assim como os possíveis métodos para melhorar as condições das pessoas que vivem nas cidades, precisam ser debatidos.

“É interessante focarmos no calor, porque, além dele ser visto como alvo de pesquisa, é considerado perigoso, dada a mortalidade relacionada ao tema”, acrescentou. No primeiro dia da nona edição do evento, o cientista Stefan Rahmstorf já havia apresentado ao público que na França, em 2003, uma onda de calor foi responsável pela morte de 70 mil pessoas. Um exemplo de como a ciência apontou possíveis cenários perigosos à saúde nas cidades, foi o estudo da Copa do Mundo FIFA 2022 do Qatar, nos Emirados Árabes Unidos. Matzarakis explicou que pesquisadores frisaram no levantamento que, na época do evento (no verão do hemisfério norte), a temperatura e sensação térmica estarão muito altas para os expectadores estrangeiros que visitarem o país – algo em torno de 40 graus Celsius. Diante do estudo, a FIFA alterou o início da data do evento para novembro, quando as temperaturas estarão mais amenas na região.

O cientista alemão também enfatizou na sua apresentação a importância de um ambiente urbano mais arborizado. “Se olharmos para os pontos positivos e negativos das árvores, temos muito mais pontos positivos. Por isso, há tempos tentamos observar qual o efeito das sombras delas no contexto das ondas de calor”, disse Matzarakis. Segundo ele, a importância das sombras e a mudança que elas causam na sensação térmica da população, no inglês Physiologically Equivalent Temperature (PET), pode chegar a uma diferença de 10 a 15 graus.